No regime de separação total de bens, vale a velha máxima: “o que é meu, é meu; o que é seu, é seu”. Em outras palavras, todos os bens adquiridos, tanto antes quanto depois do casamento, permanecem exclusivamente como propriedade individual de cada um, sem formar um patrimônio comum que, em caso de separação, precisaria ser dividido. Apesar de simples, essa regra encontra desafios em casos práticos.

Aqui, exploramos as principais características, implicações legais e os desafios deste regime, com base em uma análise detalhada de diversas fontes jurídicas.

Antes de mais nada, uma ressalva: estamos falando neste artigo do Regime de Separação Total de Bens convencional, ou seja, aquela que é escolhida de caso pensado pelos cônjuges. Não abordamos aqui o Regime de Separação Total Obrigatório, aquele que é imposto por Lei.

Outro ponto a ser destacado é que tudo o que se disser aqui, é valido também para uniões estáveis e casamentos LGBTQIAPN+. Não há qualquer diferenciação em nosso sistema jurídico.

Formalização do Casamento por Separação Total de bens

Para formalizar o regime de separação total de bens em um casamento, é necessário realizar um pacto antenupcial. Este é um contrato firmado entre os noivos antes do casamento, estabelecendo as regras sobre a administração e a propriedade dos bens durante a união. O primeiro passo para realizar esse pacto é consultar um advogado familiar, que orientará o casal sobre os aspectos legais e ajudará a redigir o documento de forma clara e abrangente, garantindo que todas as necessidades e expectativas sejam contempladas.

Concomitantemente à elaboração do pacto antenupcial, o advogado estará em contato com um cartório de notas para, ao final,  este seja lavrado e assinado na presença de um tabelião. Tal procedimento formaliza o contrato, conferindo-lhe validade legal. O pacto antenupcial deve ser registrado em um livro próprio do cartório, o que garante sua publicidade e eficácia perante terceiros. Este registro é fundamental para que o regime de separação total de bens seja reconhecido legalmente e possa ser invocado em situações jurídicas, como a compra de imóveis ou a partilha de bens em caso de divórcio.

Depois, é imprescindível que o pacto antenupcial seja registrado no Cartório de Registro Civil, juntamente com a certidão de casamento. Este registro é obrigatório para que o regime de bens escolhido pelo casal tenha validade jurídica. Sem o registro no Cartório de Registro Civil, o casamento será automaticamente regido pelo regime de comunhão parcial de bens, conforme determina a legislação brasileira. Portanto, seguir todos esses passos é essencial para garantir a correta formalização do pacto antenupcial e assegurar que o regime de separação total de bens seja efetivamente aplicado ao casamento.

Mas é preciso ter em mente que, se houver pacto nupcial mas o casamento não for realizado, o pacto perde sua função e não poderá ter eficácia. Ele é um ato acessório, que segue o ato principal: o casamento. Sem isso, nada acontece.

União Estável com separação total de bens

É também plenamente possível fazer uma união estável com separação total de bens. Para isso, é preciso fazer constar no instrumento que este é o regime escolhido, e redigir, lá mesmo, os eventuais detalhes que regem a relação. A rigor, isso seria função do pacto antenupcial, mas ele não se aplica à união estável – como falei acima, ele não tem eficácia se o casamento não se realizar.

Mas para que tenha certeza de que esse regime irá valer na união estável, é indicado que faça o documento por via de escritura pública junto ao cartório de notas. Contudo, uma observação: você não poderá fazer com que esse regime de separação total seja considerado desde o início da relação de fato, mas apenas do momento em que lavrar a escritura em diante. Um exemplo prático: João e Maria estão vivendo como se marido e mulher fossem desde 2014, cumprindo todos os requisitos da união estável. Tiveram filhos e João comprou um apartamento, só em seu nome, com dinheiro que ganhou nestes últimos dez anos. Isso quer dizer que se eles fizerem hoje a escritura de união estável e indicarem o regime de separação total, o imóvel será só dele? Resposta: não. É que eles precisam indicar a data de início na escritura de união estável, que é 2014. E entre 2014 e 2024, época que estavam em união estável mas sem documento formal, o que vale é o regime de comunhão parcial. A separação total só terá efeito do momento da lavratura da escritura em diante.

Efeitos do Regime de Separação Total em caso de Divórcio ou dissolução de união estável

Feita a ressalva do parágrafo anterior, é possível dizer que, em caso de dissolução do casamento por divórcio, na vigência da separação total de bens, não haverá partilha de bens, pois cada cônjuge conserva o que é seu por direito. Este regime é especialmente útil para casais onde há grande disparidade econômica ou para aqueles que desejam preservar heranças familiares e patrimônios adquiridos individualmente antes do casamento.

Além disso, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente não tem direito à herança dos bens particulares do falecido, a menos que seja beneficiário em testamento. No entanto, é importante lembrar que o cônjuge sobrevivente tem direito ao usufruto dos bens comuns do casal, conforme estipulado pela legislação vigente.

Desafios e Considerações Práticas

Embora o regime de separação total de bens possa oferecer vantagens em termos de proteção patrimonial e autonomia financeira, ele também apresenta desafios, especialmente em situações de divórcio litigioso. Em tais casos, pode haver disputas sobre a origem dos bens e a prova de propriedade exclusiva, exigindo uma análise detalhada e muitas vezes complexa de documentos e evidências.

Um aspecto importante a considerar é a administração de empresas familiares. No regime de separação total de bens, cada cônjuge que seja titular de uma empresa conserva todos os direitos sobre a mesma. No entanto, se os cônjuges constituíram uma empresa em sociedade, a dissolução da sociedade segue as regras do direito societário, podendo exigir a apuração de haveres para fins de partilha.

A Separação Total de Bens e a Pensão Alimentícia

Outro ponto relevante é a questão da pensão alimentícia. No regime de separação total de bens, a obrigação de prover sustento aos filhos permanece inalterada, seguindo as regras gerais do direito de família. Os pais são responsáveis pelo sustento dos filhos menores, e a pensão alimentícia é fixada com base nas necessidades dos filhos e nas possibilidades dos pais.

Além disso, se um dos cônjuges não tiver condições de se sustentar após o divórcio, pode haver a necessidade de pagamento de pensão alimentícia, de acordo com a capacidade financeira do outro cônjuge e outras circunstâncias específicas do caso. É que essa assistência está prevista no Artigo 1.566, inciso III, do Código Civil. Portanto, se não houve uma estipulação específica em que os cônjuges abrem mão reciprocamente dos alimentos no pacto antenupcial – algo que também pode vir a ser desconsiderado em juízo, dependendo da situação  – a pensão será possível.

Regime de Separação Total de Bens e herança

É um erro pensar que quem se casa em regime de separação total convencional perderia o direito à herança – pelo menos na forma como o Código Civil está redigido HOJE, e como as decisões do STJ apaziguaram as dúvidas.

Quem realmente NÃO pode herdar é a pessoa casada em Regime de Separação Legal (ou obrigatória), se houver filhos, nos termos do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil. Observe:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Este é um dos piores textos legislativos dos últimas décadas, mas pelo menos não há muita dúvida de que o regime da separação total convencional de bens não aparece em seu texto (que fala apenas em “separação obrigatória”).

No âmbito da interpretação da vontade dos nubentes, a questão é um pouco mais profunda do que isso. Em decisões de 2008, o Superior Tribunal de Justiça, em voto da Ministra Nancy Andrighi, entendia que, se assinando o pacto antenupcial o casal optava pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, a viúva nada deveria herdar.

Mas esse posicionamento, depois de algumas idas e vindas, mudou de vez em 2015, quando entendeu-se que o viúvo ou viúva era também herdeiro necessário, independentemente de ter assinado o pacto antenupcial. E é o entendimento que permanece até hoje.

Finalmente, em 2017 esse direito foi estendido também ao companheiro(a) sobrevivente na União Estável.

Vantagens da Separação Total de Bens

Uma das principais vantagens desse regime é a independência financeira que ele proporciona. Cada cônjuge pode administrar e dispor de seus bens livremente, sem a necessidade de consentimento do outro. Isso é especialmente benéfico para casais onde ambos possuem patrimônios substanciais ou quando há filhos de casamentos anteriores que devem ser protegidos.

Outra vantagem significativa é a proteção contra dívidas. Em regimes como a comunhão universal ou parcial de bens, as dívidas contraídas por um dos cônjuges podem recair sobre o patrimônio comum do casal. Na separação total de bens, cada cônjuge é responsável apenas por suas próprias dívidas, o que oferece uma camada adicional de segurança financeira.

Além disso, em caso de divórcio, a partilha de bens é simplificada, pois já está previamente acordada que cada cônjuge ficará com o que é seu. Isso evita longas e desgastantes batalhas judiciais sobre a divisão de patrimônio, preservando a privacidade e reduzindo o estresse emocional.

Desvantagens da Separação Total de Bens

Por outro lado, a separação total de bens pode gerar conflitos e desconfianças no relacionamento. Sugerir um pacto antenupcial pode ser interpretado como falta de confiança nas intenções do parceiro, o que pode magoar e causar tensões antes mesmo do casamento.

Outra desvantagem é a falta de proteção financeira para o cônjuge de menor renda. Em casos onde um cônjuge abdica de sua carreira para cuidar da casa ou dos filhos, a ausência de comunhão de bens pode resultar em uma situação financeira desfavorável para ele em caso de divórcio. É importante, portanto, que o pacto antenupcial contemple termos de pensão alimentícia ou outras formas de compensação para evitar injustiças.

Conclusão

A separação total de bens é um regime que oferece grande independência e segurança patrimonial, mas também exige um elevado grau de confiança e compreensão entre os cônjuges. Antes de optar por esse regime, é essencial que o casal discuta abertamente suas expectativas e consulte um advogado para elaborar um pacto antenupcial que reflita seus interesses e proteja seus direitos.

Escolher o regime de bens adequado é uma decisão crucial que pode impactar significativamente a vida financeira e emocional do casal. Portanto, uma assessoria jurídica bem-informada, com um bom advogado de família, é fundamental para tomar a melhor decisão e garantir que ambos os cônjuges estejam protegidos e satisfeitos com os termos acordados.